02 – No Rio de Janeiro (Parte A)

 

Segunda-feira, 24/09, amanheci no Rio de Janeiro; acredito que era umas 6h30 o horário em que o ônibus chegou na rodoviária. “Para onde irei?” – era o sentimento, pois o check-in no Albérgue era somente às 14h00 horas… eu planejei esperar ali mesmo na rodoviária, por questão de segurança! Mas apenas para saber o que fazer logo chegasse o horário, fui perguntar ao guarda onde ficava o terminal urbano.

 

Eis quando meus planos mudaram radicalmente!!!

 

Como eu disse no contexto no início do texto, o motivo para estar no Rio de Janeiro era o VI Congresso Internacional do INES, que iniciaria somente na quarta-feira, 26/09. Segunda e terça-feira eu queria conhecer o que fosse possível, mas principalmente a casa onde morou Cecília Meireles. O sentimento de desbravamento do novo me acompanhou até o último momento no Rio de Janeiro, sem contar, é claro, quando já me sentia em casa nos arredores do albérgue.

 

A mudança radical a que me referi acima tem haver com o exato momento em que abordei o guarda para pedir informação; havia um senhor próximo a ele, assim que o guarda me indicou onde era o terminal urbano, não pude deixar de reparar na vez do senhor fazer sua solicitação. Fez o sinal de telefone com as mãos sem sonorizar uma palavra.

 

“Você é surdo? Sabe sinais?” – perguntei em LIBRAS. “Sim, sou surdo. Você é ouvinte, pode me ajudar a telefonar para a tia da minha esposa”, ele respondeu. Eu não acreditava naquilo. A esposa, também surda, estava sentada o aguardando, conseguir algum ouvinte que entendesse o contexto e a solicitação deles: ligar para a tia avisando que estavam no Rio de Janeiro de passagem, pois viajaram de ônibus de Vitória-ES até ali e na manhã seguinte, do aeroporto, embarcariam para Porto Alegre-RS.

 

Inicialmente, ao identificá-lo como surdo, logo pensei que chegou com antecedência para o Congresso do INES, assim como eu. Quem convive com a Comunidade Surda sabe desse e outros fenômenos sociais que ocorrem entre eles; há aqueles que viajam por várias cidades, permanecem por uns dias vendendo mil futilidades, dormem em pensões, hotéis baratos ou na casa de amigos surdos; quando chegam pela primeira vez ou ainda não encontraram os surdos da cidade, quando encontram ouvintes que sabem língua de sinais, o primeiro pedido é: “Você pode ligar para minha casa (mãe, esposa, filhos etc) para avisar onde estou e que estou bem”; comigo isso já ocorreu três vezes contando com essa no Rio de Janeiro.

 

Acredito que a tecnologia do celular e das mensagens permitiu uma maior liberdade a esses sujeitos, que podem agora fazê-lo sem a intermediação de terceiros, desde que a parte a ser avisada, comunicada, tenha um celular também. Não era o caso da tia da Rogéria, esposa do Eulude, os surdos que conheci logo desembarquei na rodoviária do Rio de Janeiro naquela segunda-feira. Rogéria tinha três tios em três casas diferentes no Rio; dos dois telefones que eles mês passaram, nenhum atendeu.

 

Enquanto esperávamos para ligar novamente, conversamos bastante; inclusive, utilizando o celular da Rogéria e não o orelhão, liguei a cobrar para um dos filhos do casal, que tem dois e ambos são ouvintes, maiores de 18 anos. “Alô, fulano – não lembro o nome, meu nome é André, estou com seus pais aqui na rodoviária, eles pediram para avisar que chegaram bem ao Rio de Janeiro…”

 

Inacreditável, mas ainda na rodoviária, sem sucesso nas ligações com os parentes de Rogéria, chegou outro surdo, vindo do nordeste, este sim, para o Congresso do INES, mas ele disse que começaria naquela segunda-feira mesmo; eu disse que não, era só na quarta-feira. Descobri depois que era um evento do Grêmio Estudantil do INES, um evento interno, na segunda e terça-feira. Esse surdo partiu para o INES. Nós três continuamos ali na rodoviária.

 

“Vamos aproveitar e ir até o INES também” – sugeri. Através de um folheto com as linhas de ônibus e os bairros, embarcamos em um ônibus que nos levaria até Laranjeiras, bairro do belíssimo prédio do INES. Lembrando que a mala e a mochila faziam todo esse percurso também; parece óbvio, mas, ao citar essa presença, lembro meus leitores que andar de ônibus por uma cidade desconhecida, para um lugar que não se sabia ao certo, com uma mala e uma mochila ganha um fator exponencial de dificuldade; uma grande aventura, afinal das contas!

 

Descemos no ponto indicado por alguns passageiros do ônibus: eu, Eulude e esposa. Perguntei pela Rua das Laranjeiras, mais indicações; eis que chegamos na Rua das Laranjeiras e mais alguns quarteirões, eis que avistamos o imponente prédio do INES. Era indescritível a minha emoção! Emoção que foi aumentando cada vez mais ao adentrar os portões do INES e, logo, logo, estar tomando café, dialogando com funcionários, professores e alunos… Até participamos de uma palestra ministrada por um surdo, ex-aluno do INES, hoje instrutor de LIBRAS sobre a fundação do grêmio.

 

Como o casal ainda precisava encontrar um local para passar a noite, saímos do INES para almoçar, o que fizemos num restaurante que ficava na rua perpendicular à Rua das Laranjeiras, com uma escada de madeira um tanto íngreme que nos levava à sobreloja… um estilo rústico. Reparei, como bom observador (nem sempre, mas às vezes), que passavam muitos ônibus com o letreiro “Cosme Velho” que iam à direção contrária de onde havíamos descido inicialmente. “Deve ser para lá o bairro Cosme Velho” – logo deduzi (um tanto óbvio, mas tudo bem); antes, porém, precisava deixar meus novos amigos acomodados, localizar a minha parada e depois sair à procura da casa de Cecília Meireles; exatamente como fiz.

 

Carregando a mala e a mochila, seguimos pela Rua das Laranjeiras; Rogéria tinha certeza que uma de suas tias morava num prédio nessa mesma rua. Andamos muitos quarteirões no mesmo lado do prédio do INES, o direito. Até que chegamos num prédio que Rogéria afirmava ser aquele. Apertamos a campainha e, como se tratavam de dois surdos que usavam língua de sinais, eu fiz o papel de mediador. Perguntei pela tia. O porteiro respondeu que ela havia se mudado. Parecia coisa de novela! “Mas o senhor sabe dizer para onde ela se mudou?” – perguntei. Disse que era perto, num prédio por onde já havíamos passado. E fomos até o local indicado.

 

Mais uma vez questionei o porteiro sobre a tia – que não me recordo o nome agora… Sim, tem uma senhora com esse nome no 3º andar (se não me engano). Ufa! Pergunte a ela se tem uma sobrinha que se chama Rogéria, que é surda, diga que Rogéria e o esposo estão aqui embaixo, por favor. Sim, era a tia dela mesmo; ele abriu a porta e nos indicou o elevador. Subimos até o andar e o apartamento indicado.

 

Acredito que tão cedo não participarei de outra cena como essa que se passou, bem como de toda essa aventura, em pleno desconhecido Rio de Janeiro, primeiro dia de visita. As tias nos receberam até o hall de entrada; a que morava ali estava com a irmã porque havia feito há poucos dias uma operação de cataratas… e que logo precisariam sair para o retorno no médico… e como eles chegaram sem avisar… que ali eles não poderiam ficar… que haviam muitos hotéis em conta no Catete… que eu era um anjo na vida deles que apareceu para ajudá-los… deixei nome, celular, o telefone do albérgue… e tchau, muito obrigado! Aí encerrou meu contato ao vivo e a cores com o novo casal de amigos e suas peripécias; na Rua das Laranjeiras, nos despedimos; eu fui procurar o ônibus que me levaria à Rua Vinícius de Moraes e eles, o ônibus que os levasse ao Catete.

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